terça-feira, 30 de outubro de 2012

Mercadoria encalhada







      "Infelizmente as mulheres ainda são tratadas como mercadorias, que precisam estar dentro dos padrões de qualidade do mercado, como ser magra." 


      Oh, minha amiga! Eu entendo o seu sofrimento. E lamento. Solidarizo. Coisa assim dá mesmo pena de ver. Corta o coração. É difícil para qualquer mãe aceitar. Ter uma filha com defeito. Assim gorda. Muito acima do peso. Os olhos até renegam o que veem. Não querem acreditar. É um desgosto só...

      Oh, minha amiga! Que sina! Ter filha que não serve pra casar. Que não pensa em engravidar. Coitada de você, minha amiga! Ela não te deu nem um neto. Nenhum! Nem dará. Que homem vai querer ela agora? Gorda? Ficando velha? Porque homem só quer mocinha. E magrela! Mulher boazinha pra o servir. E sua filha além de gorda é bocuda. Reclamona. Mulher assim homem nenhum quer. Não vai ter um que a sustente!  

      Oh, minha amiga! Ela vai ficar encalhada. Na sua saia o resto da vida. Que sina triste a sua, minha amiga! Ter uma filha gorda que não serve pra nada. Ainda por cima esquisita. De cara fechada. Sempre lendo. Sempre escrevendo. Ela deve ser doente. Deprimida. Frígida ou sapatão. Mulher que não tem homem? Que se recusa ser dona de casa? Sei não!

      Eu tive sorte, minha amiga! Graças a Deus! Fui abençoada com filhas magras. Obedientes. Que casaram cedo. Me deram netos. Ao menos um cada. E todas boas donas de casa. Que souberam escolher homens bem posicionados. De dinheiro. Pra bancar as despesas da casa. E ainda esbanjar com besteira.    

      Eu tive sorte, minha amiga! Minha primeira filha já não tá no Brasil. Casou com homem estrangeiro. Homem loiro com olho claro. Que fala outra língua. E foi morar com ele no exterior. No país dele. Branco e lindo. Primeiro mundo! Minha segunda filha também vai. Tentar a sorte. E eu tenho fé que casa logo lá! Arranja companheiro melhor que o daqui. Remediado. Minha filha caçula vai no mesmo caminho. Imitando as mais velhas. Aqui no Brasil tá com um homem tão bom! Cheio da grana! Que dá de um tudo pra ela! E ela já tá esperando o segundo filho dele. Se separar, pensão gorda é garantida!

      Eu tive sorte, minha amiga! Tive mesmo! E tenho pena de você. Que não teve sorte como eu! Não teve uma filha como as minhas. Magras e bonitas. Bem sucedidas! Que não precisam trabalhar. Arranjaram homem bom pra engravidar. Sua filha de tão gorda é defeituosa. Mercadoria estragada. Amiga, sinto te informar. Genro bom como os meus, esqueça! Ela não arranjará.


Kátia Pessoa – 30/10/2012



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